Homem Covarde em Pleno Século XXI

Texto publicado no site www.cartadenoticias.com. Para ver a publicação acesse aqui.

 

A realidade brasileira em relação às mulheres é extremamente revoltante. De acordo com a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do Ministério da Justiça e Cidadania, uma mulher é espancada no país a cada 15 segundos. Como o Brasil possui uma população de mais de 200 milhões de habitantes, sendo 50,8% mulheres, são mais de 100 milhões de potenciais vítimas de violência de todo tipo, seja física, moral, sexual, psicológica, ou patrimonial.

Um relato recente e ultrajante dessa situação vem de São Paulo, onde um homem ejaculou em uma passageira dentro de um ônibus. Infelizmente, casos similares não são incomuns, inclusive de estupros: 10 estupros coletivos são cometidos por dia, segundo dados divulgados pelo jornal Folha de SP junto ao Ministério da Saúde. De fato, dessas 100 milhões de mulheres (50,8% da população brasileira), 40% já narraram casos de assédio em locais de trabalho, em transportes públicos e outros lugares. Uma pesquisa em mais de 200 agências publicitárias do Nordeste verificou que 71% das mulheres declararam terem sido assediadas no ambiente profissional (depoimentos dessa pesquisa estão dispostos no site chamado ironicamente de “Esse Case é Foda”).

Esse cenário, embora não seja exclusivo do Brasil, faz parte de nossa cultura desigual e opressora do sexo feminino. Digo cultura, porque a diferença de tratamento entre os sexos não é algo natural, consequentemente, imutável, mas sim fruto de um preconceito incutido educacionalmente. Portanto, se foi aprendido, pode ser desaprendido. Um primeiro passo é o reconhecimento dessa realidade, porém, palavra sem obra é projeto vazio, abstrato.

O feminicídio é um fato, tanto que o Código Penal, em seu artigo 121, o consta no inciso VI (acrescido pela Lei 13.104 de 2015), com pena de reclusão de 12 a 30 anos: matar alguém, sendo homicídio cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. O parágrafo 2º-A esclarece o que vem a ser “condição de sexo feminino”, quando o crime envolve: violência doméstica e familiar, e menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Nossa Ipatinga não se encontra afastada desse contexto, tendo apresentado, em 2016, 9.358 casos de violência doméstica, segundo dados do Governo do Estado de Minas Gerais.

Lembrando que esses números são subnotificados, pois correspondem apenas às mulheres que fizeram alguma denúncia nas delegacias de mulheres. O cenário é muito pior. Ademais, não há classe social isenta do machismo e da violência, mulheres ricas, pobres e da classe média encontram-se sujeitas a algum tipo de preconceito de gênero. Em verdade, a Lei Maria da Penha (11.340 de 2006) expõe 05 formas de agressão como violência doméstica contra a mulher: a psicológica, que diminui a autoestima e prejudica o desenvolvimento pessoal da mulher ao humilhá-la, constrangê-la, manipulá-la; a física, que atinge a saúde corporal, de forma a violar sua integridade física; a moral, com calúnias, injúrias e difamações; a patrimonial, como reter documentos, recursos econômicos e direitos próprios; e a sexual, ao obrigar a mulher a manter relações sexuais.

Completando o conceito legal, o filósofo esloveno Slavoj Zizek cita três conceitos de violência que são importantes para servir de guia às políticas de encarceramento e pena. A primeira vem a ser a violência subjetiva, que representa uma ação que rompe a normalidade da não violência. O indivíduo decide agir de forma agressiva em uma dada situação, como, por exemplo, ao ser fechado no trânsito. O segundo tipo é a violência objetiva, traduzida como a violência permanente presente nas estruturas sociais e econômicas que se encontram em uma sociedade opressiva, excludente, patriarcal e hierarquizada. Por último, temos a violência simbólica, que se reproduz na linguagem, no urbanismo, na moda etc. Um exemplo claro disso vem a ser o plural no português para um conjunto de homens e mulheres, o qual vai sempre para o masculino. Pior, se há uma mulher passeando com um cachorro, o pronome é: “Eles estão caminhando”.

Dessa forma, as políticas públicas devem visar não somente tratar da violência subjetiva dos lares, mas também combater a estrutura socioeconômica de repressão do feminino e a expressão simbólica de coisificação da mulher. Ao menino, ensina-se a não expressar sentimento, fraquezas, a não brincar com panelas e bonecas; à menina, ensina-se a ser dócil, sexo frágil, plenamente realizada com um marido. As instituições, como a escola, a família, a igreja, a mídia, são responsáveis por alterar esse quadro, ao demonstrar que o valor de um indivíduo não está no sexo com que nasce.

Pode-se afirmar que, internacionalmente, a preocupação com a mulher começou na década de 1970, quando, em 1975, a ONU (Organização das Nações Unidas) criou o Dia Internacional da Mulher, e, em 1979, quando a Assembleia Geral das Nações Unidas gerou a Convenção para a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher. No Brasil, as primeiras políticas públicas implementadas deram-se na década de 1980. Em 1985, criou-se a Delegacia de Defesa da Mulher em São Paulo, bem como o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (Lei 7353 de 1985) – órgão consultivo e deliberativo da sociedade civil junto ao Ministério da Justiça. Desde então, várias DEAM (Delegacias de Atendimento à Mulher) e Casas-Abrigo foram concebidas para se combater o problema nefasto. Um avanço recente foi a Lei 10.778 de 2003 que estabelece a notificação compulsória, no território nacional, de caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados. Outro avanço veio a ser a Lei Maria da Penha, da qual se originaram delegacias especializadas da Polícia Civil, com assistentes sociais, psicólogos e orientadores jurídicos.

A nossa Lei Máxima, a Constituição da República, declara explicitamente em diversos artigos a igualdade de condições entre homens e mulheres, bem como a vedação a tratamento desumano ou degradante (art.5º, I e III). Ademais, seu artigo 3º, onde está o rol dos objetivos fundamentais da República, estabelece que a meta da nação é construir uma sociedade livre, justa e solidária, reduzindo as desigualdades sociais e promovendo o bem de todos, sem preconceito de sexo (incisos I, III e IV).

Nosso ordenamento jurídico não é conivente com tamanho primitivismo. Contudo, constar somente na letra fria da Lei é apenas o segundo passo. Há de se fazer imperar o Estado Constitucional de Direito, de respeito à pluralidade e de não impunidade. O Direito não é apenas reativo, ele também é instrumento para se moldar uma comunidade, almejando comportamentos mais equânimes e harmônicos, condizentes com os Direitos Humanos. A violência contra a mulher, seja por qual motivo for, é uma vergonha para o homem do século XXI, por isso, precisa ser perenemente combatida e exposta. Jogar pedra e cuspir na Geni é comportamento de homem covarde!