O Capitão Fantástico e o Homeschooling Brasileiro

Quem ainda não assistiu ao filme “Capitão Fantástico”, estrelado por Viggo Mortensen, assista sem mais tardar. Além de um filme, em muitas partes, leve, com humor, ele aponta relevantes questões sociais para se refletir, como a educação. Quem nunca pensou em nosso modelo educacional? Atualmente – e esse atual é bem tradicional – matriculamos as nossas crianças, em regra, a fim de adquirir conhecimento suficiente para o vestibular. 

Diante da insatisfação de vários pais e responsáveis, uma figura presente nos Estados Unidos da América (EUA) começa a ter voz aqui no Brasil: o homeschooling. Em tradução livre, trata-se de uma educação formal em casa ao invés de nas redes oficiais de ensino. Vários países no mundo adotam o homeschooling, como Canadá, Portugal, França, Itália, Bélgica, Áustria, Rússia, Austrália, Nova Zelândia; enquanto outros expressamente o proíbem, como Alemanha e Suécia. 

Há inúmeros motivos para os responsáveis preferirem a educação domiciliar, desde o medo com o ambiente escolar e suas implicações, como o bullying, até a questão ideológica, moral ou religiosa. Juridicamente, pode-se falar em visão liberal ao defender a não intervenção estatal na vida privada, consequentemente, quem decide sobre a educação dos filhos são os pais. Segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, dois acordos internacionais dos quais o Brasil é parte, pertence aos pais o direito de escolher a educação de seus tutelados. 

Em contrapartida, os críticos ao modelo declaram que a escola é um espaço de socialização de criança, onde irão aprender a conviver e a desenvolver interações psicomotoras, cognitivas e linguísticas. Além disso, uma cartilha escolar uniforme garante o conhecimento básico mínimo para uma criança refletir sobre questões éticas, políticas, sociológicas e estéticas. 

No Brasil, a Constituição Federal não prevê o homeschooling, pelo contrário, ela afirma ser dever do Estado participar da educação de seus cidadãos. De fato, a Constituição Federal, quando trata da família, criança, adolescente e jovem (artigos 226 e seguintes), e da educação (artigos 205 e seguintes), não veda a modalidade de ensino domiciliar, porém, tampouco a permite. Acontece que o Supremo Tribunal Federal decidiu que o ensino doméstico é cabível se houver lei regulamentadora que prevê mecanismos de fiscalização e avaliação. Portanto, o Congresso Nacional terá de disciplinar a matéria, sem se olvidar dos preceitos constitucionais relacionados com a educação. 

Alguns dos preceitos constitucionais são bastante claros: ensino básico obrigatório entre 04 (quatro) e 17 (dezessete) anos; núcleo mínimo curricular; convivência familiar e comunitária; e outros. Assim, a lei regulamentadora deverá abarcar os princípios constitucionais básicos relativos ao assunto, não cabendo o homeschooling de forma absoluta. 

Hoje, os pais que adotarem o ensino domiciliar poderão ser responsabilizados até criminalmente, segundo o artigo 246 do Código Penal, por crime de abandono intelectual: “deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar”. Contudo, doutrinariamente, há posições a favor e contra a criminalização. O professor Damásio de Jesus aduz que não há crime; por outro lado, Cleber Masson é da opinião de que há, sim, infração penal, enquanto não houver regramento a respeito. 

A transferência do estudo às famílias, em tese, colocaria em risco a garantia do direito à educação, previsto na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, visto que as redes de ensino precisariam de uma infraestrutura mais complexa e preparada para supervisionar milhares de estudantes em regime de educação domiciliar, o que já é um dado deficitário. Assim, não se saberia, por exemplo, em que nível estariam diversos adeptos do modelo. 

No filme citado, embora as crianças possuíssem uma educação clássica invejável, o lado emocional encontrou dificuldades diante da sociedade. Sem spoiler, esse choque provoca momentos de crise nas relações com o mundo, o que nos faz pensar: qual é o objetivo da educação como um todo? De maneira simples, a resposta estaria próximo da promoção de autonomia e responsabilidades, da geração de consciência política e da convivência com manifestações plurais de cultura, e não uma busca feroz para se passar no ENEM ou para se incutir valores particulares, “tribais”.  

De toda forma, nossa Corte Superior decidiu, em caso de repercussão geral, no Recurso Extraordinário 888815/RS, que o ensino domiciliar é, atualmente, um meio ilícito de prover educação formal, em virtude de ausência de legislação que o regulamente. Não é que a Constituição Federal ou as leis vigentes vedem essa modalidade de ensino, elas apenas não a preveem expressamente. Para a concretização do homeschooling, o Congresso Nacional deverá editar uma lei sobre a questão, com mecanismos de avaliação e fiscalização, norteando-se, sempre, pelos mandamentos constitucionais que tratam sobre a matéria. 

 

GUILHERME DE CASTRO RESENDE