O conflito pela terra é milenar. Rousseau, certa vez, disse que a mãe de todas as desigualdades humanas era a propriedade privada. Com o cercamento, uma série de lides surgiu, o que tem provocado o abalroamento de casos na Justiça, bem como mortes no cotidiano. Pesquisas recentes relatam um novo recorde para o Brasil: o de assassinatos em contenda agrária nos primeiros meses de 2017, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra.
Esse dado alarmante demanda uma análise a respeito da questão rural no Brasil. De acordo com o censo agropecuário de 2006, existem pouco mais de cinco milhões de propriedades privadas na estrutura fundiária nacional, ocupando em torno de 40% da área total do Brasil. A propriedade familiar, que compõe 84,4% do total de proprietários, ocupa apenas 24,3% da área, o que revela a profunda concentração fundiária no país.
Enquanto a grande propriedade concentra a sua produção em cereais, como soja e milho, a pequena produz 87% da mandioca, 70% do feijão, 59% de suínos e 58% de leite do país. O desequilíbrio seria ainda maior, se não fosse a grande extensão territorial do Brasil, onde há ainda expressivo número de pequenas propriedades, sobretudo em áreas de baixa pressão do complexo agroindustrial, por exemplo, no Nordeste.
A situação torna-se mais premente, quando trabalhadores rurais são mortos por uma ação do Estado, como a que ocorreu em Pau D’Arco, no Sudeste do Pará, onde a polícia, em cumprimento a um mandado de prisão preventiva, matou dez pessoas, algumas com tiros nas costas e na nuca. A investigação preliminar foi severamente prejudicada, em razão da remoção dos corpos das vítimas do local e da manipulação do cenário. Casos assim rememoram a época da ditadura, quando o desaparecimento forçado e os suicídios induzidos eram comuns. Os dados da atual época democrática pouco altera essa perspectiva, visto que o Brasil continua a ter um dos maiores índices de homicídio do mundo, inclusive pela ação Estatal.
A informação trazida aqui nos permite fazer um prognóstico. Baseado num modelo econômico concentrador, a sociedade brasileira encontra-se cada vez mais polarizada e desigual. O resultado será a intensificação dos conflitos pela terra. Dessa forma, é fundamental que posseiros e proprietários saibam de seus direitos para, na falta de conciliação, se requerer do Judiciário que, de forma célere, eficiente e justa, pacifique a situação.
Aos proprietários, cabem diversas demandas, como ações reivindicatórias, demarcatórias ou divisórias, enfim, ações com procedimentos especiais que almejam a retomada e a definição exata do domínio prejudicado.
Aos possuidores, ações possessórias também são várias. Enquanto o interdito proibitório evita a concretização de uma ameaça à posse, a reintegração e a manutenção buscam, respectivamente, reaver a sua perda por um esbulho e impedir uma turbação a ela. São, cada qual com sua essência, remédios especiais, por meio dos quais os requisitos específicos devem ser preenchidos para que não haja a perda de algum direito por imperícia.
Dessa forma, o profissional do Direito deve estar atento à realidade violenta brasileira, que leva muitos não somente a praticarem a justiça com as próprias mãos, mas também a sofrerem com uma histórica arbitrariedade estatal. Defensores, juízes e promotores são responsáveis por legitimar e concretizar a nossa Carta Constitucional que garante a posse e a propriedade da terra, não sem antes exigir a realização de sua função social. Em verdade, uma sociedade mais pacífica e solidária passa necessariamente por uma maior representatividade fundiária e pela eliminação da impunidade dos transgressores.
Guilherme Rezende