Poder Judiciário – uma casta cada vez mais visível

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A sociedade brasileira está cansada de saber sobre a corrupção da classe política nacional. O que ela pouco sabe é que o Poder Judiciário não se encontra afastado dessa podridão, porém, eventos recentes têm apresentado esse cenário evidente no Brasil, como se fosse uma casta privilegiada. O país necessita de uma reforma política mas não pode prescindir de uma revisão completa dos Poderes, inclusive do Judiciário.

Quando você encontra um problema no cotidiano, há simplificadamente três opções de resolução desse conflito: conciliar com a outra parte, vencer pela força ou procurar a Justiça. Então, quando conversar com aquele vizinho barulhento que te impede o sono sagrado não adiantar; ou quando o seu companheiro não entender que lugar de mulher é onde ela quiser estar; ou quando a paternidade não cumprir com suas obrigações alimentícias; ou quando o Fisco insistir em oprimir a sua empresa; o Poder Judiciário é o caminho ideal, caso a conciliação seja ineficaz, para que a sociedade volte a um estado harmônico de equilíbrio. A meta da Ordem Jurídica é a Justiça que, segundo os Romanos, significa: viver honestamente, não ofender ninguém e atribuir a cada um o que lhe pertence.

Dito isso, o que você pensaria se eu lhe dissesse que o Poder Judiciário está afastado da Deusa Têmis da Justiça? Que esta não somente se encontra de olhos abertos e míopes mas também com uma balança bastante desregulada? Pois é o que acontece nos nossos espaços públicos da Justiça, em geral. Ela não se encontra acima das paixões humanas, pelo contrário, é seletiva e desumana. Um exemplo foi apresentado pelo programa televisivo “Fantástico” (em 13/Agosto/2017): o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) puniu 82 juízes, sendo que 53 deles continuam recebendo salário. Ou seja, a regra de punição, nos casos relativos a juízes, é a aposentadoria compulsória com manutenção dos benefícios. Nada mais distante dos mortais.

Um desses casos absurdos para o cidadão comum é o do juiz José Edvaldo Albuquerque de Lima, de João Pessoa/PB. Condenado a 13 anos e 04 meses de prisão por prevaricação, associação criminosa e corrupção passiva, teve a aposentadoria cassada, mas, devido a um recurso, continua a receber R$ 29 mil mensalmente. O caso mais emblemático e ridículo dos últimos tempos talvez seja o do juiz Flávio Roberto, que expediu mandado de busca e apreensão contra Eike Batista, colocando em sua casa dois veículos de alto luxo e um piano do réu. Inclusive, o dito juiz foi visto dando voltas com os carros. É possível que o ilustre Magistrado só estivesse cuidando da manutenção dos bens suntuosos do próximo, uma simples demonstração de caridade.

Contudo, um grande exemplo de desigualdade no Brasil vem dos supersalários do Judiciário. Para quem não sabe, o teto salarial do funcionalismo público nacional é o subsídio bruto de um Ministro do Supremo Tribunal Federal, de R$ 33.763,00. Acontece que vários benefícios, como os famigerados auxílios moradia e alimentação, não são considerados parte da remuneração oficial. Assim, vários magistrados recebem acima do teto constitucional, como no Estado de Santa Catarina, onde há 70 desses casos em que o rendimento líquido passou dos 33 mil, e 22 casos em que superou os 60 mil reais (em rápida pesquisa no Portal da Transparência). No mês de maio do presente ano, o juiz Pedro Walicoski Carvalho recebeu, ao final, R$ 84.770,93.

Seria excelente se o trabalhador rural ou o operário de até três salários mínimos – maior parcela da população – recebesse essa paridade financeira. Regularmente, sua Carteira de Trabalho constaria por volta de um salário mínimo, porém, em benefício isso seria multiplicado exponencialmente, visto que apenas o teto do auxílio moradia (Resolução 199/2014) é de R$ 4.377,73. Qual é a causa, portanto, de se conceder o auxílio moradia a juízes e não a trabalhadores comuns? Para lhe responder, caro leitor, veja a explicação do Desembargador José Renato Nalini (vídeo no Youtube) que afirma explicitamente que o auxílio moradia nada mais é do que um subsídio para o magistrado comprar terno, já que não dá para ir a Miami toda hora, e para o juiz ficar mais animado com o seu trabalho e não cair em depressão, AVC, crise de pânico etc.

Agora, sim, está explicada a diferenciação. Você, trabalhador diário, não precisa usar terno, nem tem depressão, AVC ou crise de pânico nos ofícios diversos, então não necessita ficar “mais animado” e receber benefícios. Férias de 60 dias? Isso é uma afronta à produtividade nacional. Férias de 60 dias com adicional? Vá para Cuba! Não carece, estimado leitor, basta ser um magistrado que você consegue essa regalia. Ou então ser filho de magistrado, como aconteceu com a filha do Ministro Luiz Fux do STF, que virou desembargadora aos 32 anos sem demonstrar atividade jurídica condizente.

Realmente o absurdo não se encontra somente no Poder Legislativo e Executivo, como é de praxe na sociedade. O Poder Judiciário, embora silente na mídia, possui sua parcela de excrescência. Como não se lembrar da Sua Excelência o Ministro Gilmar Mendes ao soltar da prisão por duas vezes, via um remédio constitucional chamado habeas corpus, Jacob Barata, o “rei” do transporte público do Rio de Janeiro, cujo crime o Ministério Público apurou na ordem de R$ 500 milhões de reais? Gilmar Mendes não se deu por suspeito ao julgar tal medida, mesmo tendo sido ele padrinho de casamento da filha do beneficiado. Perguntado a respeito disso, o Ministro declarou: “o casamento não durou nem seis meses”. Talvez você seja um inocente e acredite na sinceridade do Juiz, ou talvez este tenha se esquecido do dever de imparcialidade existente nos artigos 252 e 254 do Código de Processo Penal, assim como o artigo 8º da Convenção Americana de direitos Humanos, do Pacto de Direitos Civis e Políticos, da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Só para colocar a cereja no bolo, a mulher do Ministro Gilmar Mendes é sócia do escritório de advocacia que representa Jacob Barata.

Ninguém pode se surpreender com essa decisão do Ministro Gilmar, pois não é de hoje que ele mantém esse padrão de comportamento. A Associação Nacional dos Procuradores e a Associação dos Juízes Federais, parece-me, cansaram dessas heterodoxias jurídicas do Ministro e cobraram do STF uma posição a respeito do caso. Os procuradores chegam a dizer que o silêncio e a inação do STF funcionarão como omissão da Corte. Enquanto isso, um dos beneficiados pelo Ministro nos últimos dias, Rogério Onofre, após soltura, ameaçou de morte abertamente outros investigados, como se pode ouvir pelo seu áudio no Whatsapp, e encontra-se agora foragido.

Uma reforma política em dois Poderes somente não será suficiente para melhorarmos nossa República. Há de se envolver também o Poder Judiciário, a fim de se acabar com a desigualdade histórica na sociedade brasileira. Do contrário, não formaremos uma República virtuosa, não romperemos nossa tradição patrimonialista e clientelista; em melhores termos, diria Ruy Barbosa, em 1914: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”.

Guilherme Resende