Nesta semana foi votado e parcamente discutido o projeto de lei 074 de 2025 (PL 74/2025) do Município de Ipatinga pela Câmara Municipal. Seu objetivo é diminuir o valor para pagamento das obrigações de pequeno valor (RPV), ou seja, nas ações em que o ente municipal for condenado a pagar, ele terá a benesse de somente cumprir a obrigação após vários anos, por meio de precatório, e não mais por meio da requisição de pequeno valor.
O status atual do RPV é de 15 salários mínimos. O desejo do prefeito atual é conjugá-lo para valor igual ou inferior ao maior benefício do regime geral de previdência social, conhecido como teto do INSS, no montante de R$ 8.125,41. Como esclarecimento, o prefeito, em um único parágrafo, justificou “considerando a necessidade de um efetivo controle da gestão das requisições de pequeno valor e dos precatórios, e tornar mais efetivas as condenações suportadas pela Fazenda Pública Municipal”.
O parecer jurídico da Comissão de Legislação, Justiça e Redação, e da Comissão de Finanças, Orçamento e Tomada de Contas, da Câmera Municipal foi apenas no sentido de competência legislativa, isto é, declarou que o ente público municipal é competente para estabelecer esse pequeno valor, desde que continue a obedecer a ordem cronológica compulsória de pagamento. O parecer esqueceu-se de analisar a justiça, a finança e o orçamento para justificar tal alteração.
A redução do RPV, sem um mínimo de lastro probatório da necessidade da minoração, viola a segurança jurídica, por não respeitar o princípio da proporcionalidade e da capacidade econômica do ente federado. Assim, embora o Município detenha competência legislativa, ele deve fazê-lo em consonância com suas capacidades financeiras e suas especificidades orçamentárias, o que não foi demonstrado.
Em primeiro lugar, a competência legislativa não é carta branca, pois há limites constitucionais e jurisprudenciais para o estabelecimento do teto da RPV. A fixação de valores de maneira arbitrária e desproporcional, considerando a realidade financeira do ente, pode configurar burla ao regime de precatórios e desrespeito aos direitos fundamentais dos credores.
Em segundo lugar, a própria ausência de justificativa técnico-financeira viola o dever de fundamentação e compromete a legalidade. O PL 74 não atende aos critérios mínimos exigidos para alteração legislativa com impacto direto nos direitos de crédito do cidadão. De novo, é uma medida arbitrária, que viola princípios da transparência e da publicidade da lei de responsabilidade fiscal. Não há situação de colapso fiscal ou estado de inadimplemento sistemático de RPVs no Município de Ipatinga a justificar a regressão de direitos.
Por último, a redução exclui milhares de cidadãos, muitos hipossuficientes, ao tortuoso e demorado regime de precatórios, afetando desproporcionalmente os credores de menor capacidade financeira. É violação flagrante e direta aos princípios da dignidade humana e da isonomia.
Portanto, o que está em jogo não é apenas um número frio. Aquele cidadão que venceu o Município em um processo judicial, como um servidor público que cobra diferenças salariais atrasadas; ou uma idosa que ganhou ação por erro médico em unidade de saúde; ou microempreendedores e autônomos que venceram ações de fornecimento de bens ou serviços ao Municípios, terá de enfrentar fila e morosidade do precatório, punindo-se esse cidadão mais uma vez. É simplesmente um retrocesso social, jurídico e institucional.
O Escritório Jayme Rezende posiciona-se contra o PL 074/2025.