Nepotismo – vêm à tona em Ipatinga lembranças de minha infância

Um dia chuvoso da minha infância, quando não havia jeito de brincar de bola na rua – hoje cada vez mais raro -, fiquei dentro de casa, divagando com meu pai. Como ele é entendido de latim e das origens das palavras, algo incrível ensinado antigamente nas escolas, perguntei-o sobre a raiz da palavra pai. Sem muita pretensão, um grande ensinamento ocorreu naquele dia que serviria para entender o que se passou em Ipatinga nessas últimas semanas.

Meu pai prontamente me respondeu em latim: pater. Palavra usada há milênios que deu origem a pai em diversos idiomas da árvore indo-europeia. De pai, perguntei logo da palavra filho. Com a mesma rapidez, ele sentenciou: filius. Continuou, e neto vem também do latim nepos, adquirindo mais tarde o sentido de sobrinho. Portanto, e aqui chego ao cerne do presente texto, temos a palavra nepotismo, inicialmente usada no século XVII para indicar os “sobrinhos” dos Papas que não eram, digamos, muito adeptos da castidade, sendo assim, concediam aos seus filhos naturais, vulgo “sobrinhos”, cargos e outras vantagens.

Muito barulho se viu na Câmara de Ipatinga esses dias. Um projeto de lei de iniciativa do Executivo poderia ter sido um trending topic da semana no Vale do Aço, pelo menos para aqueles que acompanham a nobre atividade política de sua cidade. Caso você não se encontre a par do tema, te parabenizo, viverá mais facilmente feliz, sem se importar com os rumos coletivos de sua comunidade.

Nepotismo é o assunto do momento. Antigamente relacionado aos privilégios papais; hoje esse termo expressa a ideia de proteção e benesse concedida pela autoridade a algum parente. Em uma sociedade tradicionalmente patrimonialista, onde se tende a tratar o público como espaço de interesses privados, o nepotismo é lugar-comum em nosso cotidiano.

Numa tentativa de alterar esse quadro de flagrantes injustiças, o Poder Judiciário editou uma Súmula Vinculante, que nada mais é do que um enunciado criado pela Corte Constitucional sobre determinado tema, dotado de teor obrigatório para a Administração Pública e todos os demais Juízes e Tribunais do país. Contudo, não é qualquer enunciado, para se editar uma Súmula Vinculante, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve contar com a decisão de dois terços de seus Ministros, após reiteradas decisões e reflexões da matéria constitucional (vide art. 103-A da Constituição Federal).

O nepotismo, assim, foi enquadrado pela Súmula Vinculante de número 13. Nela, a vedação visa a evitar violação à moralidade, à eficiência, à igualdade e à impessoalidade, princípios constitucionais básicos relativos à Administração Pública. Assim, embora não haja lei nacional prevendo a proibição ao nepotismo, o STF entendeu que este enunciado advém de uma interpretação principiológica, especificamente do art. 37, caput, da Constituição da República.

Expondo o editado, veda-se a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta (ascendente e descendente), colateral (sobrinho, tio), ou por afinidade (cunhado, sogro), até o terceiro grau para o exercício de cargo em comissão, de confiança ou de função gratificada na Administração Pública direta e indireta de quaisquer dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Frise-se ainda que o chamado nepotismo cruzado, quando se faz nomeações recíprocas, como numa troca de favores entre um Prefeito e um Presidente de Câmara, também se macula de inconstitucionalidade. Como exceção, os cargos políticos e os efetivos não se encontram limitados por essa regra.

Conquanto seja um enunciado objetivo, o STF não pretendeu esgotar o tema, mesmo porque as realidades são várias, exigindo uma súmula mais genérica, inspiradora. A pluralidade de situações fáticas indica que o combate a essa ilegalidade pode contar com outros atos regulamentares ou normativos vinculantes. O Executivo de Ipatinga atualizou a sua lei municipal (Lei 3737 de 2017) relativo à questão, ao impor a proibição até o terceiro grau, embora sua legislação anterior falasse em quarto grau (Lei 2304 de 2007). Assim, houve um abrandamento da norma municipal. Lembrando que terceiro grau é tio e sobrinho, enquanto quarto grau é primo.

Embora do ponto de vista da moral se possa discutir a medida, a verdade é que, juridicamente, a recente Lei Municipal do Nepotismo no Poder Executivo de Ipatinga não é inconstitucional. Outra verdade é que nada impede que os próprios vereadores municipais imponham novamente a ilegalidade da nomeação de parente de quarto grau, pois, segundo julgado pelo próprio STF (informativo 771), “as leis que proíbam o nepotismo na Administração Pública não são de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, podendo, portanto, ser propostas pelos parlamentares”. Desse modo, a iniciativa de lei por um parlamentar ipatinguense a eventual projeto tendente a voltar com o quarto grau é admissível.

Os clamores contra o projeto de lei enviado ao parlamento ipatinguense acusavam o Prefeito e os vereadores favoráveis de praticarem o nepotismo, porém, nada há que se reclamar ao STF sobre uma violação de Ipatinga à Súmula Vinculante 13. Salvo se existir, no caso concreto, indício de flagrante fraude constitucional, como em designações recíprocas mediante ajuste (nepotismo cruzado). Cabe à população estar atenta às próximas nomeações do seu Prefeito e de seus representantes, a fim de se proteger a moralidade pública. Meu estimado pai mal sabia que seu latim, naquele dia chuvoso, me ajudaria a compreender essa prática nefasta que se encontra imbrincada em nossa sociedade desde os tempos de Pero Vaz de Caminha, quando este pediu ao rei um emprego a seu genro!

GUILHERME DE CASTRO RESENDE