“A Justiça não é cega nem surda.
Também não pode ser muda.
Precisa ter os olhos abertos para ver a realidade social,
os ouvidos atentos para ouvir o clamor dos que por ela esperam e
coragem para dizer o Direito em consonância com a Justiça.”
Maria Berenice Dias
Antigamente o modelo de família era constituído única e exclusivamente pelo casamento, que tinha como fim precípuo o de procriar e, assim, perpetuar a espécie. Não se admitia a união estável e um grande passo foi dado com a Constituição da República de 1988, em seu art. 226, § 3º, que reconheceu a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, possibilitando que se aflorassem diversos arranjos familiares que (co)existiam na sociedade hodierna, mas viviam à margem da lei e de uma cultura tradicional e conservadora de costumes e crenças.
Embora a Constituição Federal e o Código Civil Brasileiro de 2002 só preveem a união entre casais heterossexuais, o conceito de família foi gradativamente se estendendo, mudando, ampliando e evoluindo, acompanhando os anseios da sociedade do século XXI, pautado por valores fraternos, igualitários, plurais e fundados no princípio da dignidade da pessoa humana.
A sociedade, então, que antes se reconhecia na família com o fim único de prole, monoparental, heterossexual, inflexível, engessada, sem afeto, quebra paradigmas e se livra do (pré)conceito e das convenções sexuais e dá espaço a uma nova natureza de família, formada por pessoas do mesmo sexo. Essa nova leitura da família é reconhecida como entidade familiar e faz jus a tutela jurídica.
Dessa forma, ao julgar em maio/2011 a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a inconstitucionalidade de distinção de tratamento legal às uniões estáveis constituídas por pessoas do mesmo sexo. Na prática, vale dizer que o STF condenou a discriminação contra homossexuais, reconhecendo a união homoafetiva como um núcleo familiar.
No entanto, passado dois anos, como o Legislativo não editou norma a respeito e era necessário garantir formalmente a possibilidade dos casais homoafetivos de se relacionarem e constituírem família, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em maio/2013, edita a Resolução nº 175, que obriga os cartórios a realizarem o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e a converterem a união estável homoafetiva em casamento civil.
A Lei Maior prevê na sua literalidade apenas o casamento e a união estável de casal hétero, mas se interpretarmos a Carta que, no preâmbulo, traz a “liberdade” e a “igualdade” na lista dos “[…] valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos […]” e no seu art. 1º, como fundamento, a dignidade da pessoa humana, somado ao art. 3º, que constitui um dos objetivos fundamentais “[…] promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, então, para se promover o bem de todos não se justifica mais diferenciar amor heteroafetivo de amor homoafetivo, pois como canta os compositores Caetano Veloso e o mineiro Milton Nascimento: “[…] Qualquer maneira de amor vale amar; qualquer maneira de amor vale a pena; qualquer maneira de amor valerá […]”.
Guilherme Rezende
Fontes:
http://www.conjur.com.br/2013-mai-14/advogados-dizem-decisao-cnj-valida-porem-legislacao
Clique para acessar o %28cod2_641%2943__a_constitucionalizacao_das_unioes_homoafetivas.pdf
http://www.conjur.com.br/2011-mai-05/supremo-tribunal-federal-reconhece-uniao-estavel-homoafetiva