Salvaguardas Internacionais

A economia mundial da Era da Globalização passou a ser, em teoria, regulada a partir de uma organização: a Organização Mundial do Comércio (OMC). Nascida para gerir o comércio internacional, ela trabalha sob o viés liberal, isto é, almeja a expansão comercial sem barreiras ou fins protecionistas. Sob essa ótica, acredita-se que o comércio traria paz e desenvolvimento para todos.

Contudo, alguns países se desenvolvem mais do que outros, por isso, há constantes embates principalmente entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, o que gerou a necessidade de se criar um órgão de solução de controvérsias. Por meio dele, os países avaliam suas políticas públicas relacionadas ao tema objeto, como uma defesa comercial: salvaguardas, medidas antidumping ou antissubsídios. Em geral, a primeira é não discriminatória, não punitiva, porque se dá contra produtos, e não países específicos; ao contrário das outras duas, as quais atingem Estados determinados.

Nesta última segunda feira (22 de Maio de 2017), a China acaba de tomar uma política de salvaguarda contra as importações de açúcar que impactam massivamente o produtor brasileiro, visto que o país asiático é o maior mercado para a mercadoria brasileira (veja a matéria aqui). Com a medida, tarifas incidentes no açúcar estrangeiro são aumentadas, para se proteger a indústria açucareira chinesa, devido a sua desvantagem comparativa na produção em relação ao resto do mundo. Os efeitos, em síntese, são duplos: nacionalmente, o açúcar ficará mais caro na China, em razão da diminuição da oferta internacional, o que melhorará as condições para os produtores chineses em detrimento de seus consumidores; enquanto que internacionalmente a oferta se elevará, reduzindo-se o preço mundial, com benefícios para o consumidor internacional em prejuízo de seus produtores.

O Brasil, por meio de seus órgãos públicos e da União das Indústrias de Cana de Açúcar (UNICA), investiga alguma violação a normas internacionais, uma vez que o uso das salvaguardas não é, em absoluto, discricionário. Há de se analisar o dano ou a ameaça de dano à indústria interna e o nexo causal com a produção externa, do contrário, o fim colimado será exclusivamente protecionista e oposto aos princípios estabelecidos pela OMC. Portanto, o Direito Internacional permite o uso dessas medidas, desde que obedecidos determinados requisitos para comprovação do arrocho produtivo nacional.

A investigação sobre a legalidade da salvaguarda não é simples, pois os objetivos podem seguir orientações opostas, sejam as de um lobby da indústria açucareira da China, sejam as de um interesse coletivo de defesa contra um dano iminente à produção e ao emprego interno. No primeiro caso, a medida mina o comércio internacional, ao provocar o chamado “peso morto”, que significa uma restrição a ganhos comerciais, devido a uma interferência no livre mercado. Dessa forma, o mercado deixaria de alocar eficientemente os recursos. No segundo caso, a medida, apesar de resultar no mesmo efeito restritivo, estaria embasada em regras internacionais, coletivamente acordadas, porquanto o mencionado livre mercado não funciona de forma eficiente em todos os momentos, conforme apregoam verbosamente os mais liberais. Assim, uma intervenção estatal é buscada para se promover uma competição comercial mais equânime. Os brasileiros, empregados e empregadores, devem estar atentos às normas internacionais, uma vez que, na Era atual, os efeitos envolvem variados setores não somente os internacionais, como também os nacionais; consequentemente, qualquer defesa na área comercial e empresarial precisa de profundo fundamento jurídico por parte do profissional do Direito.

 

Guilherme Rezende 

 

Fonte: https://oglobo.globo.com/economia/governo-brasileiro-questiona-salvaguarda-chinesa-as-importacoes-de-acucar-21377858