O novo racismo

Pode-se perguntar a muitas pessoas para conceituar raça que elas não darão uma mesma resposta comum. Raça é um conceito amplo que não está limitado a uma definição científica única, como características genéticas, cor do cabelo e da pele. Para o Ministro Maurílio Correia no HC 82424, “a divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social”. Por ser um processo político-social, há de se concluir que o conceito varia no tempo e espaço. Assim, o Supremo Tribunal Federal (STF) acaba de declarar que a Lei 7.716 de 1989, que prevê os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, pode ser aplicada para punir as condutas homofóbicas e transfóbicas.

 

Inicialmente, a Lei 7716/1989 não trata de homofobia e transfobia; em verdade, a Lei em comento apresenta um rol de preconceito e discriminação taxativo. Embora a Constituição Federal apresente um mandado de criminalização em seu artigo 5º, incisos XLI (a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais) e XLII (a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei), o Estado brasileiro nunca promoveu a defesa dessa minoria. Logo, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) impetrou mandado de injunção no STF, e o Partido Popular Socialista (PPS) propôs uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Ambas as instituições com o intuito de ter declarada a mora do Congresso e de obter a criminalização da homofobia e da transfobia.

As pessoas do mundo heteronormativo podem se sentir estranhas com essa postura do Supremo, mas a vivência de uma minoria é, em regra, normalmente sofrida. A arte, em sua tentativa de emular a realidade, nos traz percepções nuas e cruas da opressão física, mas principalmente psicológica dos LGBTQIA+, como no filme Filadélfia. Excelente filme, com performances premiadas, como a de Tom Hanks. Nada mais contrário ao nosso ordenamento jurídico do que a imposição de um mundo heteronormativo, pois marginaliza pessoas pela sua identidade, sem qualquer consideração pelo pluralismo de uma sociedade democrática.

 

Dessa forma, o STF reconheceu não somente que o Congresso Nacional está em mora, mas também que a homofobia e a transfobia se enquadra na Lei 7716/89, por serem formas contemporâneas de racismo. Para o Ministro Celso de Mello, não há intromissão judicial neste caso, como uma violação da separação de poderes. Pelo contrário, o Judiciário criou mecanismos hermenêuticos para retirar as omissões legislativas constitucionais. Ocorreu uma verdadeira interpretação conforme a constituição.

 

Houve o reconhecimento de um quadro de violações sistemáticas aos direitos da população LGBTIQA+ não somente no âmbito interno, mas também no externo, perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o Conselho de Direitos Humanos das Nações. Humanas. É mundialmente reconhecido que discriminar o outro por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero é violar absolutamente o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. O Ministro Alexandre de Moraes chega a dizer que as práticas homofóbicas configuram racismo social, impondo a proteção ampla pelo Estado.

 

Portanto, o Estado Brasileiro encontra-se em mora, isto é, omisso quanto ao que a Constituição Federal exige: a criminalização de qualquer conduta odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém. Somente a mora, no entanto, não tem sido um instrumento eficaz para provocar o Congresso Nacional a agir. Por conseguinte, o Supremo decidiu que essa conduta odiosa tivesse uma tipificação definida na Lei 7716 de 1989, passando a ser também um motivo torpe, na hipótese de homicídio doloso.

 

Estatísticas confirmam que a cada 19 horas um LGBT é assassinado ou se suicida vítima da LGBTFobia, por isso a importância de a Justiça superar o preconceito e proteger. Como disse o advogado homossexual, interpretado por Tom Hanks no filme Filadélfia, o Direito muitas vezes não encontra a Justiça, mas quando a encontra, vale a pena!

 

GUILHERME DE CASTRO RESENDE

Advogado especialista em Direito Empresarial e Tributário

 

Fonte: maisvip.com.br