Brasileiro pode ser obrigado a se retirar do país?

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Fonte: http://g1.globo.com/politica/noticia/stf-autoriza-extradicao-para-os-eua-de-brasileira-acusada-de-matar-o-marido.ghtml

 

Recentemente, em decisão de 2017 do Supremo Tribunal Federal (STF), uma brasileira nata foi extraditada para responder a crime de homicídio nos Estados Unidos da América (EUA). Essa deliberação vai de encontro ao senso comum de que brasileiro “de raiz” não pode ser retirado de sua pátria mãe gentil. Vejamos os fundamentos dessa decisão.

Em primeiro lugar, a nacionalidade é um vínculo entre a pessoa e o Estado, fazendo deste indivíduo um componente do povo e o sujeitando aos direitos e obrigações oriundos desta relação. Esse vínculo é tão importante que recebe proteção internacional, presente na Declaração Universal dos Direitos dos Homens, em seu artigo XV. Essa declaração, sob os auspícios da ONU, afirma não somente que todos têm direito a uma nacionalidade, como também que ninguém pode ser arbitrariamente privado de uma.

Assim, cada Estado estabelece os requisitos para a aquisição de sua nacionalidade. Originariamente, se o indivíduo nascer no território do país, será considerado seu nacional. Este é o critério, em regra, adotado pelo Brasil, chamado no jurisdiquês de Jus Soli. Mas há aqueles países que adotam o Jus Sanguinis, ou seja, que concedem a sua nacionalidade ao indivíduo filho de mãe ou pai nacional, não importando onde tenha nascido. Provavelmente, o leitor tem algum conhecido brasileiro-italiano ou brasileiro-português que adquiriu essas nacionalidades pela razão de ter tido um ascendente estrangeiro.

Outra maneira de ganhar a nacionalidade é por meio da escolha. Neste caso, a pessoa é naturalizada. Obviamente, cada nação determina um procedimento para essa situação. No Brasil, nossa Constituição estabelece diversos requisitos para um estrangeiro ser naturalizado, sendo mais simplificado para os originários de países de língua portuguesa.

Apesar dessas diferentes formas de se contrair uma nacionalidade, o Brasil, em regra, não permite a distinção entre brasileiros natos e naturalizados. As exceções são taxativas e não numerosas, sendo a extradição um exemplo. O brasileiro naturalizado pode ser extraditado em alguns casos explícitos; o nato, nunca, conforme estabelece o inciso LI, do artigo 5º, da Constituição Federal.

Então como a brasileira pôde ser extraditada pelo Supremo? A resposta é simples: ela perdeu a condição de brasileira nata, assim, a impossibilidade se desfez. Esclarecendo, extradição é a entrega de um indivíduo de um Estado a outro, devido a um crime cometido no Estado requerente, com o intuito de se processar o sujeito ou fazê-lo cumprir pena.

Sabemos que muitos habitantes do Vale do Aço possuem o sonho de uma melhora de vida no estrangeiro. O que muitos não sabem é que estão sujeitos a perderem o vínculo político-jurídico de brasileiro nato com o Estado natal.

Uma forma de perda da nacionalidade é a aquisição de outra, voluntariamente. Não é uma perda automática, há todo um processo com ampla defesa e contraditório, e se finda com um Decreto Presidencial. Existe um processo administrativo exatamente para não se incidir nas exceções. Exemplo: vemos, em nosso cotidiano, brasileiros com nacionalidade italiana, contudo, trata-se de caso de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira, o que o Brasil não interfere. Esta é a dupla nacionalidade.

Outra exceção vem a ser a imposição de naturalização, pela norma estrangeira, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis, seja por motivos de trabalho, de moradia, de acesso aos serviços públicos, etc. O Brasil aceita essa naturalização de seu indivíduo que praticamente se viu obrigado a assumir a nacionalidade secundária, porém, na realidade, jamais teve a intenção de abdicar da nacionalidade originária.

No caso em comento, a brasileira havia conseguido o famoso Green Card, que é um visto de residência permanente, concedido pelas autoridades norte-americanas a alguns estrangeiros, a fim de que possam viver e trabalhar nos EUA. O brasileiro com Green Card não é cidadão estadunidense, ele apenas pode legalmente viver no país. Como curiosidade, essa permissão não é mais verde, como o nome indica, mas sim branca.

Ocorre que a brasileira não ficou satisfeita apenas com o Green Card, ela requisitou a nacionalidade norte-americana. Conseguiu, todavia, posteriormente, um processo administrativo constatou que nenhuma das exceções incidia no caso: não era uma aquisição originária, como no exemplo italiano, nem uma condição do país estrangeiro para viver, uma vez que ela já havia obtido o visto permanente (Green Card). Portanto, o ato, voluntário, de buscar ser cidadã norte-americana a fez perder a nacionalidade brasileira. Escolha dela, nada a julgar quanto a questões éticas e morais.

Contudo, a nova cidadã norte-americana veio a cometer homicídio e fugir para o Brasil. Talvez, tenha pensado que ficaria livre da justiça estrangeira ao voltar a seu país natal. Ledo engano, ela perdeu a nacionalidade brasileira, ao solicitar a norte-americana, nos termos do inciso II, §4º, artigo 12 da Constituição Federal. Em razão disso, o resultado do processo administrativo excluiu qualquer das exceções mencionadas, o que acabou por possibilitar a sua extradição. Cabe salientar que a aquisição da outra nacionalidade se deu de livre e espontânea vontade.

Portanto, respondendo à pergunta do título, o brasileiro nato nunca poderá ser extraditado. Essa regra não comporta exceção, no entanto, se o brasileiro nato vier a perder a sua nacionalidade, poderá, sim, ser extraditado regularmente, após o devido processo legal.

 

 

GUILHERME DE CASTRO REZENDE